Reprodução de artigo publicado pela MEMORA S.A. em ocasião do WORLD CONGRESS ON INFORMATION TECHNOLOGY 2016
Por HUMBERTO LUIZ RIBEIRO e SÉRGIO RIBEIRO OTERO*
A relação entre o cidadão e o poder público é, em geral, pouco harmoniosa. Sendo a comunicação entre estes muito ineficiente, governantes não conseguem perceber o que realmente importa para o habitante, e o distanciamento se expressa em políticas públicas desalinhadas e mal comunicadas, fomentando o desengajamento, desperdícios e insatisfação. Como consequência, a população retribuirá com perda de produtividade, mal-estar social e baixos índices de popularidade aos governantes.
Uma abordagem vanguardista e holística, utilizando novos recursos tecnológicos e melhores práticas de gestão, poderia ajudar o governante a conhecer melhor as demandas da população e a desenvolver políticas de melhor impacto. Com efetividade e transparência, pode-se sonhar com a reversão virtuosa na relação entre os cidadãos e a gestão pública.
O cidadão, por sua vez, tornando-se mais participante, receberá melhores serviços públicos e se sentirá respeitado. Dessa forma, passaria a ter uma experiência muito mais completa nos vários aspectos da cidadania, baseada numa relação de confiança entre as partes.
Mas como tornar viável esta reversão virtuosa? Nesta análise oferecemos uma contribuição inicial para o debate, apontando caminhos para se construir um novo patamar de experiência cidadã.
O Cidadão Exigente
Os humanos são seres gregários, e, desde os primórdios, habitam o planeta em aglomerações. Das aldeias do passado evoluíram lógicas que determinaram o domínio da nossa espécie sobre a Terra.
As cidades surgiram, desde o princípio, como centros de serviços, oferecendo aos indivíduos condições mais favoráveis de sobrevivência. A sua expansão demandou evoluções das regras de convívio e das disciplinas oferecidas, seja por entes públicos, seja por privados, como saúde, logística, abastecimento, educação, segurança, e claro, informação.
Na evolução dos sistemas de informação, há hoje um vácuo de maturidade. Trata-se do tratamento das necessidades dos cidadãos, a serem providas em um ambiente extremamente distribuído de computação móvel.
Lembrando de como foi estruturado esse mecanismo na era dos Centros de Processamento de Dados – CPD’s, quando estes passaram a prover os sistemas “online” via redes de acesso remoto, havia um corolário: quem paga, especifica e se apropria de grande parte dos ganhos de produtividade decorrentes dos novos sistemas.
Já na era dos PC’s, ocorreu a ruptura desse corolário. Aparentemente, organizações ignoraram que o “P” significava “personal” e foram as pessoas, ao invés das organizações, que se apropriaram da maior parte dos ganhos de produtividade.
Com o advento da economia digital e da WEB, que resultaram, entre outras coisas, na expansão do comércio eletrônico, as organizações buscaram competências para interpretar as necessidades dos consumidores enquanto partícipes das transações comerciais. Vários pontos de comércio ou de prestação de serviços migraram para vitrines digitais nos desktops e laptops, ampliando a conveniência do comprador. E, se os ganhos de produtividade voltaram ser novamente apropriados por quem especificou e pagou pelos aplicativos, também os compradores o fizeram.
Surgiu, assim, o cidadão exigente, conhecedor dos mercados, consciente de que dispõe, em seu smartphone por exemplo, de grande capacidade computacional e interativa, várias vezes incompatível com os serviços que obtém.
Neste cenário, poucos são os exemplos no setor público com capacidade de resposta às novas necessidades dos cidadãos. Salvo exceções, essa incapacidade dos governos repetidamente tornou o cidadão, além de exigente, também indignado.
Não se trata mais de identificar quais serviços públicos podem migrar dos balcões para a WEB e para os dispositivos móveis. A expectativa é maior que isso.
A utopia dos Serviços
Segundo o IBGE, em 1940 apenas 31% dos brasileiros viviam nas cidades. Com o advento industrial, esse percentual aumentou gradativamente, e hoje mais de 85% da população vive nas cidades. Como esse processo se desenvolveu de forma raramente planejada, muitas cidades experimentaram diferentes problemas urbanos, como: favelização; violência; poluição; descaso com resíduos; deficiência nos transportes; etc.
Recentemente, estudos de urbanismo sustentável, apoiados pelos avanços da tecnologia, criaram o conceito de “Smart Cities”, ou cidades inteligentes, que na definição da União Europeia consistem em sistemas de pessoas interagindo e usando energia, materiais, serviços e financiamento para catalisar o desenvolvimento econômico e a melhoria da qualidade de vida. Hoje existem diversas iniciativas no Brasil e no mundo já colocando em prática esse conceito e alcançando resultados promissores.
Nossa abordagem tem início neste conceito, porém vai além. Propiciar que a tecnologia seja instrumento de relação de confiança e respeito ao cidadão, sempre concatenada à consciência de compartilhamento e sustentabilidade, e ao fomento da prosperidade inclusiva, é o que visamos. Em um planeta que hoje regenera menos recursos que o consumo de sua população, o bem-estar de todos fica comprometido, e o compromisso de mudança desta situação é urgente.
Enquanto vemos, por exemplo, aplicativos na área de transportes revolucionarem a mobilidade urbana, cresce nossa convicção rumo a novas disrupções também em outros campos. É com essa convicção, e com os atuais recursos disponíveis, que propomos um caminho de futuro mais ousado.
Proativamente Inteligente
Mais que cidades inteligentes, propomos um valor agregado essencial ao conceito vigente. Propomos uma plataforma proativa de serviços digitais. Propomos a cidade Brilhante!
Partindo da premissa de que o foco principal são os serviços entregues, de forma física ou digital, à sociedade, estruturamos pilares de implementação da plataforma das “Bright Cities”:
Integração
Sistemas e processos de governo devem ser concebidos ou redesenhados com capacidades natas para a integração entre si e com outros serviços das demais esferas de governo ou da sociedade, respeitando a legislação vigente.
Interoperabilidade
Processos e informações devem ser tratados de forma a permitir o seu reuso e aproveitamento por parte das diversas instâncias interessadas, eliminando inconsistências ou retrabalho. Exemplificando, evitar a necessidade de repetidas interações entre indivíduos e o governo em razão de procedimentos sofrivelmente estanques em que o estado demanda informações e comprovações do cidadão que são já de conhecimento do próprio poder público é algo que, hoje, deve ser considerado inaceitável.
Governança
A adoção de critérios e processos nativamente transparentes, auditáveis e voltados a um claro propósito alinhado ao interesse público estruturam uma relação de confiança entre os agentes sociais envolvidos, impulsionando comunicações claras, e consequências positivas a todos.
Interação de Vanguarda
Concepções capazes do melhor aproveitamento do estado-da-arte da tecnologia e da gestão, voltados ao claro benefício da sociedade, geram diferenciais importantes. Com o advento da Internet das Coisas (IoT), sua WEB 3.0, tecnologias cognitivas, sensores e outras inovações, tornam-se viáveis desafios até então pertencentes à ficção científica.
Disponibilidade
Resultados dos processos devem estar disponíveis aos cidadãos não de forma reativa em resposta a demandas destes, mas sim de forma proativa, como uma “nuvem de conhecimento” que, em tempo real, provê soluções e fontes de informação a aplicações disponibilizadas pelo governo, ou desenvolvidas por empreendedores com base no acesso conferido pelo e ao cidadão interessado.
Conclusão
A universalização da utilização das plataformas urbanas proativas e suas evoluções irão promover cada vez mais a melhoria do bem-estar da população, além da sua prosperidade. A consciência coletiva ganha força, e os recursos naturais sustentabilidade. O governante, liderando este processo, utilizará os recursos públicos de forma adequada, e promoverá o engajamento de todos os indivíduos, protagonizando uma sociedade mais justa e mais preparada para os desafios futuros.
Aos que almejam trilhar esses passos, contem com nosso apoio. Sigamos em frente!
*Humberto Luiz Ribeiro é Professor e curador do portal Epicentor, tendo presidido o conselho da MEMORA S.A.; Sérgio Ribeiro Otero é ex-presidente do SERPRO e membro do conselho da MEMORA S.A..