A inauguração do Parque Capital Digital seria um momento importante para o DF como protagonista da prosperidade sócio-econômica do Brasil. Seria, não fosse, novamente após quase 20 anos de procrastinação, alvo da inconsequência gestora.
Expressão física da principal vocação empresarial de Brasília, a Tecnologia da Informação, o parque foi escopo, desde 1999, de vários estudos e contribuições de inúmeras lideranças da economia local e externa, que sonharam este como um ícone impulsionador do desenvolvimento de soluções alavancadoras para a região e o país, ambientalmente sustentáveis por ser uma indústria limpa, economicamente sistêmicas por resultar em produtividade para os cidadãos e competitividade para todos os demais segmentos, e com potencial, inclusive, para atender ao mercado internacional.
Concebido em 1999 pelo então Clube dos Jovens Empresários – hoje Associação dos Jovens Empresários –, o projeto foi logo abraçado por diversas instituições sob a condução do SINFOR-DF (Sindicato da Indústria da Informação do DF). Este se alicerçou especialmente na robusta capacidade de formação acadêmica da capital federal, com várias dezenas de cursos técnicos e superiores nas áreas de tecnologia da informação, e na pujante demanda da cidade por TI em razão do governo e de grandes empresas públicas. Naquele momento, Brasília contava com um significativo número de empresas relevantes no setor, porém com potencial de crescimento ainda maior caso tivessem o ambiente adequado para produção e exportação.
O dueto estrutural composto pelo Parque Capital Digital, como locus de inovação, escalabilidade e sinergia empresarial na área de 123 hectares, em conjunto com o Parque do Talento Empreendedor, outra instalação a ser implementada contígua à Concha Acústica (setor de Clubes Sul) para o fomento às Start-ups, foram apresentados e debatidos em 2000, ainda sem a demarcação definitiva, com o arquiteto Oscar Niemeyer. Disse o mestre após algumas reuniões com nosso time em seu ateliê no Rio de Janeiro: “Estes projetos completam Brasília”.
O Parque Digital visa classe mundial também em sua modelagem operacional de parceria público-privada, onde instituições privadas especializadas na gestão de parques de alto impacto aglutinariam as empresas implementadoras de soluções, bem como unidades acadêmicas e de suporte complementar, em formato de prestação de serviços que distinguiriam este ecossistema produtivo de outras iniciativas questionáveis realizadas no passado que privilegiaram a especulação imobiliária em detrimento da consequência sócio-econômica.
Com foco nas soluções tecnológicas e nas sinergias entre as empresas da cidade e outras de fora, o Parque seria também uma marca potencializadora de mercado para o setor como um todo, se tornando uma vitrine nacional de inovação e negócios. E o governo do Distrito Federal, podendo ser consumidor e indutor de primeira ordem de TI, poderia servir de exemplo positivo e estímulo para que todos os demais governos estaduais e municipais consumissem de forma racional e segura as soluções aqui produzidas, fomentando, ainda, a inovação, eficiência e transparência na gestão pública.
Porém, de 1999 para cá, o projeto foi objeto também de condutas indesejáveis, que afetaram negativamente tantas iniciativas no Brasil. Um dos carmas foi o da corrupção do tempo, ao não gerar as consequências necessárias para o DF, que nos fez testemunhar a consolidação de iniciativas semelhantes em diversos países, a exemplo do parque de Zhongguancun em Pequim na China, concebido em 1992, lançado em 1999 e que já passou por várias expansões desde então, superando hoje 500 mil empregos diretos e 20.000 empresas instaladas, e os Hitecs em Hyderabad, Pune, Chennai e Bangalore na Índia, todos pólos de exportação de centenas de milhões de dólares em soluções de TI, enquanto nós ficávamos para trás por razões alheias à competitividade interna das nossas empresas ou ao talento de nossos profissionais.
A iniciativa de implantação do datacenter compartilhado do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, anunciado em 2006 e inaugurado em março de 2013, representou importante marco para o projeto, visto que duas das mais relevantes instituições usuárias de TI no Hemisfério Sul consolidaram este significativo equipamento operacional na área. Foi uma comprovação do potencial que visualizávamos.
Agora, o atual governo caprichosamente desperdiça nossa vocação explícita ao desconfigurar o projeto em sua espinha dorsal: o já insuficiente espaço do parque abrigará, também, o setor de biotecnologia, abraçando desde a perspectiva de produção rural, passando pela saúde humana, indo até, pasmem, a beleza e os cosméticos. Este movimento conflita frontalmente com a expectativa de fortalecimento de marca que estaria totalmente ao alcance da nossa cidade, visto que a tecnologia de ponta não se baseia em “feirões” de diversidade, mas sim em alta especialização e qualificação setorial. Sinergias ocorrem quando empresas com insumos, processo e mercados semelhantes se aglutinam em um ambiente de alta produtividade. Cita-se, como exemplo, o corredor tecnológico de Dulles em Washington DC, líder mundial em tecnologias segurança de dados, de satélites e defesa aeroespacial.
Igualmente preocupante, essa nova configuração da área tende a priorizar a instalação de empresas de caráter público, ao invés do setor privado, conflitando diretamente com os anseios explícitos da sociedade brasileira contemporânea. Antevê-se, com isso, consequência econômica contrária ao desejo original, resultando, por exemplo, no aumento da pressão do desemprego com suas decorrentes evasões de talentos para outras cidades e tensões sociais que cresceram fortemente na história recente do Distrito Federal.
Cabe eliminar qualquer pressuposto quanto à admirada Embrapa, provavelmente uma das melhores iniciativas estatais da história brasileira. Esta excelência nacional, que tive oportunidade de testemunhar em suas parcerias tanto no Brasil quanto junto à Cornell University nos EUA, onde vivi como professor visitante, merece cada palmo de seus milhares de hectares dentro do DF – Hortaliças, Cerrado, Sucupira e outras unidades – que totalizam espaço disponível dezenas de vezes maior que toda a área do Parque Capital Digital.
Com esta deformação do Parque Digital, o DF desprioriza o principal pilar econômico para o desenvolvimento da região, ignorando as próximas ondas de avanço tecnológico – como as cidades inteligentes, a inteligência artificial ou a indústria 4.0, por exemplo –determinando nossa permanência como caudatários consumidores na economia digital. Abre mão de gerar uma economia limpa e competitiva e ainda perturba as cadeias produtivas ao misturar segmentos com distintos insumos de produção, modelos de negócio, fatores de competitividade e canais de alcance ao mercado.
Assim sendo, a deformação do Parque Capital Digital em “Biotic” serve para exemplificar o porquê do DF, tendo todas as condições para alçar patamares diferenciados em diversos aspectos do desenvolvimento, esteja vivendo tão dramático momento de sua história. Que tenhamos, no futuro próximo e para o bem das próximas gerações, um novo governo em condições de resgatar o tempo perdido.