REPRODUÇÃO DE ARTIGO PUBLICADO PELA ÉPOCA NEGÓCIOS
POR HUMBERTO LUIZ RIBEIRO, LARISSA WACHHOLZ E FELIPE ZMOGINSKI*

Atribui-se aos chineses o ditado segundo o qual a melhor hora para se plantar uma árvore foi há 20 anos e a segunda melhor é agora. Há duas décadas, nossas exportações totais anuais eram de pouco mais de US$ 50 bilhões, momento em que a China respondia por singelos 2% das compras de nossos produtos e serviços. Ao fim de 2017, no entanto, nosso cliente asiático comprou, sozinho, US$ 47 bilhões, um valor maior que o total de nossas exportações em 1999. Obviamente, a aceleração das exportações brasileiras aconteceu também para outros destinos, mais que quadruplicando o valor total exportado, especialmente na década compreendida entre 2003 e 2013. Nenhum importador de nossos produtos, contudo, apresentou demanda que se aproximasse da chinesa.

Ascendendo de 2% para 20% a ordem de grandeza de sua participação em nossas exportações totais neste período de 20 anos, ou, em valores absolutos, crescendo quase 50 vezes, a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil. Como comparação, tanto o Mercosul, quanto os Estados Unidos, que tiveram neste período um comportamento semelhante, saíram de um valor absoluto de cerca de 9 bilhões de dólares em 1997, para US$ 22 bilhões e 26 bilhões respectivamente, em 2017.

Os números demonstram, de forma inequívoca, que o plantio da “primeira árvore” foi profícuo e indicam que, como no ditado chinês, pode ser esta a hora de fazermos novo plantio. Os desafios para explorar as oportunidades bilaterais, no entanto, são agora, proporcionalmente mais difíceis e complexos, dada a desaceleração do crescimento chinês e os novos paradigmas tecnológicos, políticos e demográficos que se impõem a nosso parceiro asiático.

Os próximos vinte anos

A confluência de múltiplos adventos transformadores é uma realidade na economia global que impactará as economias brasileira e chinesa com força relevante. O primeiro elemento é o da mudança populacional, influenciando mudanças nos hábitos e demandas de consumidores, bem como nas políticas públicas. No caso do Brasil, passado o ápice do bônus demográfico, entramos em uma fase de crescente envelhecimento da população com estreitamento da base da nossa pirâmide etária. Já a China, assimilando os resultados de décadas de políticas de gestão populacional, a exemplo da do filho único, vive ainda a fase de forte migração de cidadãos do campo para as cidades. Contribui para o cenário de mudanças, a transformação da economia chinesa, antes focada na exportação e no investimento, para um modelo baseado no consumo e nos serviços, expandindo a matriz de possibilidades empresariais no país. Completa o tripé de mudanças estruturais em curso na China, a revolução tecnológica que adiciona o uso intensivo de robótica, inteligência artificial e biotecnologia em sua produção.

Dados estes adventos, surgem diversos riscos e oportunidades para Brasil e China. O sucesso econômico individual de ambos, definido como consequência dos seus posicionamentos como protagonistas ou como caudatários no novo arranjo competitivo global, passará pela forma como aproveitarão modelos que viabilizem a educação, a empregabilidade e o bem-estar de seus povos, abraçando soluções como o empreendedorismo digital, as cidades inteligentes, os serviços urbanos e a economia compartilhada como indutores da cidadania, sustentabilidade e prosperidade inclusiva.

Neste contexto, independente do resultado das urnas deste 28 de outubro, os fluxos comerciais entre Brasil e China devem se manter em expansão nos próximos anos. Publicação recente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) constata um crescimento de 27% na corrente de comércio entre os dois países entre janeiro e setembro de 2018 em comparação ao mesmo período em 2017, totalizando 74 bilhões de dólares. O Brasil teve superávit de mais de 20 bilhões de dólares no período, com crescimento de 24% nas exportações e de 35% nas importações da China.

A expectativa é de contínuo crescimento da demanda chinesa pelos produtos que ocupam a maior parte da pauta de exportação brasileira, notadamente soja, petróleo e minério de ferro, responsáveis por 84% de nossas exportações para o país asiático. Ainda assim, devemos estar atentos a alguns aspectos que podem impactar os fluxos comerciais. O “novo normal” da economia chinesa aponta para um crescimento mais moderado da economia, da ordem de 7% ao ano, em oposição ao crescimento de dois dígitos que se observava até anos recentes. Também, a guerra comercial entre China e Estados Unidos, ainda que gere ganhos momentâneos ao Brasil, tem o potencial de levar a soluções negociadas de forma bilateral, deixando-nos fora do arranjo.

A transição para a economia baseada no consumo por que passa a China, no entanto, apresenta novas oportunidades para a diversificação da pauta exportadora brasileira. Neste sentido, o governo chinês anunciou em 2017 a intenção de importar produtos e serviços no valor de 10 trilhões de dólares ao longo dos próximos cinco anos. Consoante a esse propósito, organiza, em novembro de 2018, uma grande feira de importação em Xangai, para a qual anuncia a participação já confirmada de mais de 80 países, entre os quais o Brasil, que enviará cerca de 90 empresas.

Investimentos chineses e oportunidades para o Brasil

A questão que se coloca é sobre como o Brasil pode ser competitivo e aproveitar a oportunidade que se apresenta de vender à China produtos de maior valor agregado. Uma das possíveis respostas está na atração de investimentos chineses, que podem contribuir para o aumento da competitividade brasileira de diferentes maneiras, como por exemplo, o comércio “intrafirmas”.

Neste modelo, empresas brasileiras com participação chinesa poderiam servir de base para a presença de multinacionais chinesas na América Latina, sobretudo no que diz respeito à instalação de plantas industriais. Como maior mercado do continente, o Brasil é um caminho natural para atender os mercados sul-americanos. Além da escala do mercado nacional, concorre para isso a entrada em vigor, já em 2019, de uma série de acordos firmados entre o Mercosul e os demais países do continente, que farão da América do Sul uma área de livre comércio de bens. Tal vantagem competitiva poderá ser ainda mais ampliada com a provável conclusão de acordos atualmente em negociação com o Canadá e com a Associação de Livre Comércio da Europa (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein).

A participação de companhias chinesas no capital de empresas brasileiras poderia servir a um melhor acesso para os produtos brasileiros, sobretudo do agronegócio, à China. O contrário também é verdadeiro e deveria ser explorado: a presença do capital brasileiro em projetos na China, como na agroindústria. A sofisticação dos laços de investimento entre os dois países por meio da formação de parcerias reduz a exposição do Brasil a decisões de caráter protecionista, sob pena de tais medidas prejudicarem o próprio capital chinês. As exportações de proteína animal, por exemplo, seriam beneficiadas pelo acesso mais amplo ao mercado chinês e, ainda, pela possibilidade de agregação de valor ao produto final ainda na planta brasileira (cortes especiais, beneficiamento, etc.), como já ocorre com exportações de carne da Austrália para aquele país asiático.

Além do acesso ao mercado de forma mais ampla, laços de investimento são úteis na conexão com o consumidor final pela constituição de canais de venda eficientes. Uma das muitas revoluções que acontecem na China neste momento é a do comércio eletrônico. De acordo com o Ali Research Institute, instituto de pesquisas da plataforma de vendas Alibaba, o varejo via internet na China cresceu em média 46% ao ano entre 2012 e 2017, alcançando 14,3% do total de vendas do varejo no país em 2016. Uma das áreas de destaque é o comércio de comida pela internet. Como importante exportador de alimentos que é, o Brasil precisa estar presente neste canal, o que não é fácil nem barato. Ter ao lado um parceiro local poderia facilitar muito o processo.

Após uma década de investimentos em setores como commodities e infraestrutura, nos últimos dois anos o capital chinês também derramou-se sobre startups de tecnologia do Brasil, como o app de taxis 99 e a fintech Nubank, que receberam aportes de Didi e Tencent, duas das maiores companhias digitais do mundo. Este novo perfil de investimento, usualmente denominado “smart money”, é especialmente interessante ao Brasil por trazer consigo expertise digital e de mercado e transferência de tecnologia, notadamente em setores como aplicação de linguagem natural, mapas digitais e ferramentas de análise preditiva, conceitos tecnológicos essenciais para a competitividade das empresas globais nos próximos anos.

Não se pode falar de competitividade sem destacar a infraestrutura e a logística, setor em que os chineses têm muito a contribuir. O Fundo Monetário Internacional (FMI) reportou recentemente a enorme queda no patamar geral de investimentos no Brasil a partir de 2014, o que impacta contrariamente o desejo brasileiro de modernizar sua infraestrutura. Com a escassez de investimentos públicos brasileiros na ordem de centenas de bilhões de dólares ao ano, é preciso contar com a participação do setor privado nacional e internacional. As empresas chinesas têm a capacitação técnica necessária e a determinação para investir fora da China, uma vez que o modelo de crescimento que se desenha naquele país prevê menor peso aos investimentos domésticos em infraestrutura, pressionando as empresas locais a buscar projetos fora do país, sob o relevante estímulo da iniciativa “One Belt, One Road” para desenvolvimento e investimento estratégico no exterior. Com tamanho continental e graves déficits de infraestrutura, o Brasil é um celeiro de oportunidades para projetos nesse setor. Ainda que complexas e intricadas, as oportunidades estão ao alcance da política externa e comercial do próximo presidente brasileiro, que poderá optar em seguir – ou não – a máxima chinesa de que o melhor momento para plantar uma árvore é agora.

*Humberto Luiz Ribeiro é membro do World Economic Forum, professor-visitante da Cornell University e foi secretário de Comércio e Serviços do Governo Federal (2011-2014); Larissa Wachholz é mestre em Estudos Contemporâneos da China pela Renmin University of China e sócia da consultoria especializada em China Vallya; Felipe Zmoginski foi executivo do serviço de buscas chinês Baidu e fundador da Associação Brasileira de Inteligência Artificial.

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