* Artigo por Eudes Lopes.

Entre as indefinições que se proliferam nesses tempos conturbados, talvez a mais relevante seja o embaçamento da linha limítrofe entre “o externo” e “o interno” das nações. A globalização reforçou a percepção de minimização do “doméstico”, em comparação à imensidão do planeta maior. As intensificações da mudança climática, da revolução digital e da desigualdade socioeconômica derrubaram as noções familiares de fronteiras, vestígios da velha ordem global ainda restantes.

Os divisórios estão em fluxo, e não é de se surpreender que hoje isso atropela até os dogmas mais sagrados de comércio e relações internacionais. O estado-nação começa a se transformar, não alcançando se segurar como o loco de soberania que era, nem sequer como peça de um quebra-cabeça mundial querendo se unir como um todo. Estamos diante de novas polarizações, o que significa novas junções, novas construções, novas… supranacionalidades.

O Brasil não é um amador nesse ímpeto. País construído por diásporas, nunca deixou de se entender como parte de conexões que transbordam as suas fronteiras, como fruto de raízes que atravessam oceanos, e hemisférios. O seu protagonismo com o Mercosul é reflexo dessa criatividade, desse espírito de “criança grande,” de criação… Ainda assim, já passou da hora da criança amadurecer, expandir o escopo da tarefa que agora nos cabe realizar com máxima seriedade e senso de dever maior: a integração.

Se desde a década de 90, o quadro gerou investidas diplomáticas dispersas, laços interamericanos divididos em sub-blocos (“competitive diffusion”), o ciclo a partir de agora poderia ser chamado algo como “competitive union,” já que a escala de bloco necessária para a competitividade em relação à China agora nos une de norte ao sul, remetendo à articulação não só do Bloco latino-americano como de todo o hemisfério, da Patagônia ao Alasca.

Para tal finalidade, é primordial distinguir as duas arquiteturas clássicas integrativas — o Mercado Comum e o Mercado Único. O primeiro é intergovernamental, implica sobretudo liberalização comercial com poucas garantias práticas para qualquer sustentabilidade e coesão. O segundo é supranacional, garante a coesão de todos os estados membros por condicionar “adesão” às questões políticas envolvidas na avaliação dinâmica relativa com outros Blocos-centros.

Chegou a hora de reconhecer os limites da estratégia intergovernamental (o que foi o modus operandi sul-americano até agora), ou seja, apreciar a importância de se constituir uma instância supranacional junto com os seus espaços de eco. Um ambiente formal de interação objetiva, propagando em coro as prioridades integradas dos membros a partir de uma arbitragem harmonizada e consequente, resultante da responsividade com a mirada de cada estado-membro.

O Novo Mundo é, portanto, o ponto de partida que não podemos mais desmembrar. É a nova linha limítrofe. Só juntos, podemos fazê-lo — o seu coro interamericano — cantar.

* Eudes Lopes, PhD e Research Fellow da Cornell University ([email protected])

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